domingo, 25 de dezembro de 2011

Areté e as outras crenças

Como todo especialista religioso deveria estudar religião comparada, acrescemos uma postagem especial para esse intercâmbio de filosofias e teologias. No caso da Areté, a primeira comparação que a Sarah Helena fez nas nossas reflexões sobre o tema foi com o japonês shugendō (pronuncia-se 'xuguên-do') e com a prática do 'andar em beleza' dos índios navajo (pronuncia-se 'navárro'). Então vamos seguir a sugestão dela e falar desses dois caminhos, embora certamente existam outras culturas das quais poderíamos resgatar uma ideia semelhante à da areté.


Vamos começar pelo conceito navajo de "sa’ah naaghaii bik’eh hozho", mais conhecido como "hozho". A frase é formada de duas partes diferentes que formam uma unidade quando estão juntas e exemplifica um modelo de equilíbrio no viver. Tanto a frase quanto a palavra têm sido insuficientemente traduzidas com expressões do tipo 'caminhar na trilha da beleza em idade avançada' ou 'agir de acordo com o ideal para alcançar a restauração do equílibrio'; mas o significado principal disso tem a ver com equilíbrio, beleza, saúde, vida longa, felicidade, sabedoria, conhecimento, harmonia, o mundano e o divino. Para o povo navajo, hozho representa uma descrição vívida e sintética do que a vida na superfície do planeta Terra deveria ser, do nascimento à morte na velhice.

A visão de mundo incorporada no hozho é inconsistente com uma visão dualista, pois representa verdadeiramente um todo unificado e equilibrado. A dificuldade de entendermos o hozho é que o próprio entendimento de um navajo sobre os significados mais profundos disso normalmente não é compartilhado ou divulgado, pois para eles o conhecimento é poder e vida. Entregá-lo seria como perder uma parte do seu poder pessoal.

Uma exegese de hozho fornecida por John Farella ("The Main Stalk: A Synthesis of Navajo Philosophy", 1984) diz que hozho não é uma compreensão do todo, mas o próprio todo. Ele afirma que esse é o tema central da filosofia navajo, e que é tão fundamental para sua religião quanto o milho e a água o são para sua sobrevivência. Viver em hozho significa estar sempre recuperando, encontrando e praticando o equilíbrio na nossa vida diária. E a habilidade de viver em equilíbrio é obtida primeiramente através da aquisição do conhecimento. "É a posse do conhecimento que nos torna divinos, pela virtude de colocar-nos em contato com as forças energéticas básicas subjacentes à natureza e tornar-nos capazes de melhor utilizar tais forças." (Farella em Robert Drake - "Hozho: Dine’ Concept of Balance and Beauty", 2004, grifos meus). Na religião e filosofia navajos, a "divindade" não é inata, ela é feita através da aquisição do conhecimento. Esse conhecimento é adquirido através de rituais, relatos, canções e experiências de vida. A pessoa precisa adquirir e usar o conhecimento ritual quando idoso e revelar esse conhecimento apenas quando se antevê a porta da morte.

Já o shugendō significa algo como "o caminho do treinamento e teste" ou "o caminho para o poder espiritual através da disciplina". Os praticantes (shugenja) são conhecidos por auto-atualizar seus poderes espirituais de uma forma experimental através do desafio e de testes ritualísticos rigorosos, testes estes de coragem e devoção. É uma jornada austera e normalmente mantida em segredo - o que nos faz conhecer pouco sobre ela. Os shugenja mantém uma relativa anonimidade em suas vidas diárias. De qualquer forma sabe-se que o shugendo inclui uma percepção de despertar experiencial obtida através da compreensão do relacionamento entre o homem e a natureza, que é centrada numa prática asceta nas montanhas, e na qual a iluminação/esclarecimento é equiparada com a obtenção da unidade com os espíritos ou forças naturais. Ou seja, esse conceito japonês lembra os índios navajo quando inclui a natureza, e lembra os gregos quando fala sobre disciplina.

Com esta postagem, fechamos o tema da Areté, embora o assunto nunca se encerre, pois ele estará presente na nossa próxima reflexão, que será sobre kalós, o belo.